Solenidade de Santa Joana Princesa – Homilia de D. António Moiteiro
Santa Joana, a simplicidade nas coisas grandes
1. Jesus convida a construir o Reino de Deus
Estamos no final do ministério de Jesus na Galileia. Desde o princípio do evangelho de S. Mateus (Mt 3, 13), a presença de Jesus foi questionando os ouvintes e pouco a pouco vão aparecendo dois grupos de pessoas: os fariseus e levitas e o grupo dos discípulos. Entre um grupo e outro está a multidão das pessoas que segue Jesus.
Nesta última etapa, Jesus esforça-se para que entendam o que é o Reino dos Céus. Os fariseus endurecem a sua oposição e os discípulos aceitam e compreendem a mensagem de Jesus. Quando Jesus lhes pergunta «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?», eles respondem pela boca de Pedro: «Tu és o Messias, o Filho de Deus».
São várias as dificuldades que encontramos no anúncio do Reino de Deus. Umas de tipo sociológico e outras pessoais que temos necessidade de ultrapassar para que a Palavra de Deus possa, hoje, ser acolhida: Não compreender os planos de Deus; a falta de reflexão e atenção às coisas de Deus; o excesso de preocupações; e o afã dos bens materiais, parecendo que o ter se impõe cada vez mais ao ser.
O fundamental da missão que é pedida à Igreja e a cada um de nós é mesma que Jesus coloca aos seus discípulos: Em que consiste o reino de Deus? Qual a semente que devemos semear ou o tesouro que devemos procurar?
Mais do que definir o Reino de Deus, Jesus convida a conquistá-lo, tendo mesmo de sacrificar tudo o que temos para o conseguir.
Embora pequeno na aparência, o Reino é um autêntico tesouro e uma pérola de grande valor, pelo qual vale a pena vender tudo para o conseguir.
Esta é a realidade que deve polarizar toda a existência e é capaz de mudar radicalmente a orientação de toda uma vida. Construir o Reino de Deus é amar a Deus, que reina no mundo. Como nos diz o Papa Francisco, «na medida em que Ele conseguir reinar entre nós, a vida social será um espaço de fraternidade, de justiça, de paz, de dignidade para todos. Por isso, tanto o anúncio como a experiência cristã tendem a provocar consequências sociais» (EG 18=). As palavras de Jesus continuam a ressoar aos nossos ouvidos e a ecoar nos nossos corações: «Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo» (Mt 6,33).
Ao longo da história, muitos foram os que deram a sua vida para conseguir este tesouro. «Santa» Joana, a nossa padroeira, é exemplo que fala a cada um de nós para colocarmos no centro da nossa vida cristã a procura e a construção do Reino de Deus.
2. Santa Joana, modelo de amor à Igreja
A primeira leitura do Apocalipse fala de «um novo céu e de uma nova terra e da cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da presença de Deus, bela como noiva adornada para o seu esposo?». Esta cidade santa, a nova Jerusalém é a Igreja, da qual Santa Joana foi um ramo frondoso dessa árvore, a Igreja.
O mistério da Igreja é o mistério do Deus incarnado, que permite ter fé na mesma Igreja porque só pela fé temos acesso ao mistério, isto é, a Igreja deve ser entendida a partir da iniciativa de Deus – Deus toma a iniciativa de salvar a humanidade – e, por isso, o mistério da Igreja é um dom e um chamamento. Deus torna-se presente numa comunidade que continuamente é chamada a uma fidelidade criativa, é chamada a inspirar-se na Sagrada Escritura e na Tradição, é chamada a um seguimento atualizado e é chamada a uma dinâmica evangelizadora, sem se fechar em guetos ou ser imobilista.
A redescoberta da Igreja como «mistério», ou seja, como «um povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo», não podia deixar de implicar um reencontro com a sua «santidade», entendida no seu sentido fundamental de pertença Àquele que é o Santo, o «três vezes Santo» (cf. Is 6,3).
Na celebração dos 50 anos da proclamação de «Santa» Joana como padroeira da nossa cidade e diocese de Aveiro, manifestei a vontade de reabrir o processo de Canonização de «Santa» Joana, tendo em vista dois objetivos: centrar toda a nossa pastoral diocesana no desejo ardente de caminharmos numa maior identificação com Cristo vivo e ressuscitado e o conhecimento da vida e obra de «Santa» Joana que continua a falar às nossas paróquias e a cada um de nós, dizendo que a santidade é de todos os tempos e que nós também somos chamados, pelo nosso batismo, a sermos santos.
Depois de ter consultado a Congregação das Causas dos Santos, foi-nos comunicado que «importa promover um Processo diocesano para recolher testemunhas e documentos sobre a vida, virtudes e continuação da fama de santidade para se alcançar a desejada Canonização» (carta de 23/3/2017). Muito proximamente será comunicada a constituição do tribunal que irá proceder à recolha dos depoimentos das testemunhas; desde já apontamos para que no dia da Igreja Diocesana, em 25 de junho, no Santuário de Shoenstatt, possamos dar início à fase diocesana do Processo de Canonização, com a tomada de posse do Tribunal Diocesano.
O convite à santidade tem de moldar toda a existência cristã: «Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação» (1 Tes 4,3). É um compromisso que diz respeito não apenas a alguns, mas «os cristãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade».
O Memorial da infanta, conservado no convento, resume, no momento da sua morte, toda a vida de Santa Joana: «amando mais seguir a Cristo pobre e humilde, perseverou até ao seu santo falecimento, ajudando a ele muito misericordiosamente pôr em fim todas as obras meritórias com todo fervor e amor de Deus» (Fl 104, MC).
«Santa» Joana colocou o fervor e o amor a Deus em tudo o que fazia. Que aconteça assim também connosco: que o horizonte para o qual tende todo o nosso caminho pastoral seja a santidade». Assim Deus nos abençoe neste projeto que desejamos para toda a Diocese; e que «Santa» Joana seja a luz que nos guia para caminharmos com audácia e fortaleza nos caminhos do amor a Deus e na prática das obras de misericórdia.
Senhor, Pai santo,
fonte de toda a santidade,
Nós Vos louvamos e agradecemos,
porque enriquecestes a vossa Igreja
com a vida da bem-aventurada
Joana Princesa, que testemunhou
simplicidade, humildade,
devoção à paixão de Cristo
e amor ao próximo.
Fazei que nós, vossos servos,
de coração purificado,
imitemos as suas virtudes
e alcancemos o reino dos Céus.
Por sua intercessão,
concedei-nos as graças
que Vos pedimos,
incluindo a da sua canonização.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo,
vosso Filho, que é Deus convosco
na unidade do Espírito Santo.
Ámen.
Aveiro, 12 de maio de 2017.
+ António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro