Jornadas de formação do clero de Aveiro sobre a Iniciação Cristã
Jornadas de formação do clero de Aveiro sobre a Iniciação Cristã
Entre os dias 4 e 6 deste mês decorreram, na Casa Diocesana, em Albergaria, as jornadas de formação do clero da nossa Diocese subordinadas ao tema da Iniciação Cristã. As jornadas juntaram, durante estes dias, à volta de setenta participantes entre padres e diáconos. A escolha deste tema prende-se com o nosso Programa de Pastoral para este ano que nos convida a reflectir sobre “a Vocação batismal como caminho de santidade”. Tivemos a dinamizar as jornadas quatro convidados: o P.e Tiago Neto, do patriarcado de Lisboa; o P.e Joaquim Ganhão, da Diocese de Santarém; e os padres João Paulo e Francisco Melo, da nossa Diocese. Aqui ficam, a nosso ver, algumas das ideias-chave daquilo que foi a riqueza partilhada ao longo destes encontros.
Textos de Manuel Joaquim Rocha; fotografias de Júlio Grangeia
CATECUMENADO E PASTORAL DE (EM) GESTAÇÃO
Como se faz um cristão?
O P.e Tiago Neto, responsável pela Catequese da Diocese de Lisboa, começou com uma pergunta: “Como se faz um cristão? E continuou: “Esta é uma questão que atravessa a acção da Igreja em cada tempo. A pergunta sente-se como mais premente nas últimas décadas, sobretudo no eixo ocidental ou norte atlântico, onde a Igreja católica tem sido confrontada com um não saber fazer generalizado no que diz respeito à transmissão da herança cristã…”.
É verdade que fazer um cristão não depende de nós, está entregue à graça de Deus e à liberdade humana. Mas a nós, continuou, cabe-nos criar as melhores condições que possam tornar a fé desejável, amável, compreensível. E é aqui que o catecumenado, como instrumento ao serviço do nascimento da fé, pode ajudar…
Algumas condições são necessárias:
VER o mundo presente e reconhecer a graça da crise. É verdade que vivemos num mundo individualista de acentuado narcisismo, onde está em curso a erosão do outro, que é visto como reflexo de mim mesmo: sou amigo não porque ele é o outro, marcado pela diferença, mas porque ele tem os mesmos gostos, os mesmos interesses que eu; vivemos num mundo subordinado à lógica da produção: quem não produz não serve; vivemos num mundo em que as pessoas envelhecem sem se tornarem maiores. Não maturamos em nenhum programa da nossa vida. Neste mundo assim, a tradição já não se impõe ao indivíduo, mas é um recurso possível que eu tomo ou não, adapto ou não.
JULGAR: Descobrir a crise como graça, como tempo favorável (kairós), com os olhos de Deus, abrindo-se à graça da crise. Isto leva-nos a dialogar com o mundo – aliás na senda do Concílio Vaticano II: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje… são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (GS1).
AGIR: Passar de uma pastoral do enquadramento para uma pastoral da gestação; Somos convidados a mudar de política: deixar uma política de programação e passar a uma política do acompanhamento. É aqui que surge o catecumenado como modelo inspirador da ação pastoral. E neste sentido, o P.e Tiago terminou a sua profunda reflexão, deixando-nos algumas pistas de que apontamos:
– toda a iniciação cristã tem como horizonte a vida cristã e não a celebração dos sacramentos; a centralidade da pessoa na livre maturação do desejo de ser cristãos; o conteúdo centrado na profissão de fé batismal; a importância das redes relacionais; a catequese de toda a comunidade: a relação intergeracional; a comunidade de pertença e o olhar para os que recomeçam na fé.
– Por fim a importância do perfil do Evangelizador (acompanhador ou passador do Evangelho, ou garante, ou padrinho). Chega-se à fé, graças à presença de um transmissor. “Ser cristão não se nasce, torna–se…” (Tertuliano), concluiu o P.e Tiago.
CATEQUESE QUERIGMÁTICA E ATUALIDADE DO PRIMEIRO ANÚNCIO
Há muitos católicos que não são cristãos
Na tarde de 4 de fevereiro, veio o P.e Joaquim Ganhão, da diocese de Santarém, que nos trouxe a conferência sobre a “Catequese querigmática e a atualidade do primeiro anúncio”
O conferente partiu da frase anteriormente citada de que não se nasce cristão mas que o cristão faz-se para concluir que muitos dos que nos dizemos católicos, porque batizados, nunca fomos cristãos de verdade porque nunca fomos despertos para o primeiro anúncio, a verdade primeira da nossa fé: “Jesus ama-te e deu a vida por ti, para te salvar e agora vive contigo todos os dias para te iluminar, fortalecer, libertar” (EvG 164). Para que isso aconteça, continuou o P.e Joaquim Ganhão, é preciso que esse anúncio manifeste o amor salvífico de Deus; que não imponha a verdade mas faça um apelo à liberdade; que esse apelo seja pautado pela alegria; que não reduza a pregação a um conjunto de doutrinas mais filosóficas que teológicas. Isto exige do evangelizador certas atitudes como a proximidade, a abertura ao diálogo, a paciência, o acolhimento cordial que não condena (EvG 165).
A catequese é, pois, querigmática enquanto se fundamenta na verdade primeira – que é sempre a mesma – da nossa fé e se vai desenvolvendo ao longo do tempo, da história e das gerações na mistagogia. Palavra que, no dizer do Papa Francisco, significa duas coisas: “a necessária progressividade da experiência formativa na qual intervém toda a comunidade e uma renovada valorização dos sinais litúrgicos da iniciação cristã (EvG 166).
Partindo daqui, o conferencista provocou a assembleia com algumas interpelações:
– A liturgia deve ser vivida. Há quem diga que hoje perdemos o sentido do mistério pela linguagem, pelos ritos, pela proximidade…”. Eu penso que não porque o mistério foi revelado para ser acreditado neste mundo que é o nosso e revelado na glória. Podemos tomar como exemplo o lava–pés. Depois de lhes ter lavado os pés, Jesus voltou-se para os Apóstolos
de disse: “Compreendeis o que vos fiz?”
– A nossa catequese é mistagógica? Está adaptada às diferentes gerações? Aproveitamos os tempos litúrgicos para fazer mistagogia?
– A dimensão mistagógica da arte que nos pode levar a olhar para a nossa Igreja e, a partir da sua arte, entrarmos na explicação deste mistério. Quantas pessoas não se abriram à fé através da arte? Ela, no séc. IV, era chamada a Bíblia dos pobres.
– A dimensão da música: o homem reza cantando e canta rezando.
SACRAMENTOS DA INICIAÇÃO CRISTÃ: BATISMO, CRISMA E EUCARISTIA
Três que são como que um grande sacramento
O segundo dia (5 de fevereiro) levou o Clero a situar-se já dentro dos sacramentos da Iniciação Cristã, Batismo, Crisma e Eucaristia, e a vê-los não como três sacramentos separados, mas como um todo. Foi o P.e João Paulo Henriques, pároco de Beduído/Estarreja, que nos conduziu nesta reflexão.
Começou por explicar o conceito de iniciação ao longo da história para concluir que que ele, no princípio, significava o rito de entrada na Igreja (S. Ambrósio); mais tarde, englobava o tempo de preparação para depois, já perto do Vaticano II, e no próprio concílio, significar todo o Ritual da Iniciação Cristã, que começa com os simpatizantes, que são aqueles que, depois da clarificação dos motivos que os levam a tornarem–se cristãos, aderem à proposta e manifestam o desejo de seguir Jesus e de pedir o batismo (RICA Preliminares, 10). Esse mistério é a autocomunicação de Deus em Jesus Cristo que continua a acontecer enquanto a Igreja o acolhe e continua a transmitir através dos sacramentos. Estes são pois, no dizer do conferencista, atos temporais, históricos, a acontecer no aqui e agora da vida de cristão.
Numa segunda parte, o P.e João Paulo convidou os presentes a olharem para o Ritual da Iniciação Cristã dos Adultos (RICA) que manifesta a ideia da unidade entre os três sacramentos: “… são como que um grande sacramento”, sublinhou. Essa ideia é bem visível na Iniciação Cristão dos Adultos, em que, depois de uma caminhada julgada conveniente e de acordo com as várias etapas propostas, o catecúmeno adulto recebe os três sacramentos numa única celebração. O mesmo não acontece com os batizados em criança ou no tempo da Catequese, pois o sacramento do Crisma é “guardado” para mais tarde. Há aqui uma adaptação ao serviço da pastoral.
Podemos dizer, comentou o P.e João Paulo, que teologicamente sempre se afirma a unidade dos três sacramentos, embora pastoralmente se admita uma prática diferente conforme os casos. Aliás o Papa emérito, Bento XVI, dizia que a ordem dos sacramentos não é uma verdade dogmática, mas que pode ser alterada por razões pastorais. Basta olharmos para a idade em que celebramos o Crisma e que difere em muitas dioceses. Embora, será bom acrescentar, Portugal seja um dos países onde esta caminhada de catequese está mais assumida.
“Esse problema está nas mãos dos Bispos…”, concluiu o conferente.
O LUGAR DA INICIAÇÃO CRISTÃ
A paróquia é geradora de cristãos
A manhã do último dia (6) levou-nos a olharmos para a paróquia enquanto lugar da iniciação cristã. Tarefa que esteve a cargo do P.e Francisco Melo, pároco de Palhaça e Oliveira do Bairro.
Este começou por afirmar com S. João Paulo II: “O homem é o caminho da Igreja” (RH 14). E o caminho principal da Igreja é Cristo. A Igreja, continuou o conferente, recebe uma missão, uma única missão: fazer cristãos. E o local onde esta proposta acontece é, normalmente, na paróquia. Ainda não criámos outra instituição que a substitua. Podemos dizer, assim, que a paróquia é mãe, geradora de cristãos.
Apesar de muitas vezes ter sido vaticinada a sua morte, ela continua activa, visível e aberta a todos. Ela é, no dizer de S. João Paulo II “… a Igreja que vive no meio dos seus filhos e filhas” (ChFL 25) ou é como “o fontanário da aldeia a que todos acorrem para matar a sede” (S. João XXIII). Ela habita o tempo das pessoas e o seu espaço. Ali todos têm (ou devem ter) lugar – concluía o P.e Francisco.
Por outro lado, dizemos que a paróquia está em crise mas, ainda não encontrámos outra forma de organização que a pudesse substituir. Esta crise da paróquia, continuou o conferencista, é uma crise de identidade; uma crise de representação e uma crise de significação. Ou, dito por outras palavras, a crise hoje, é a perda do sentido do espaço e do tempo. Paróquia como lugar da iniciação cristã: Nós habitamos momentos chave da vida das pessoas e, por isso, a missão será entrar no quotidiano da vida das pessoas e não a reboque desta ou daquela necessidade sentida, mas temos de andar a reboque de um mandato recebido: gerar cristãos. Aqui se insere o primeiro anúncio, anúncio para provocar um desejo: pré-catecumenado que levará ao catecumenado. Este será a formação de que todos precisamos em sentido global e não apenas formação de catequese ou dirigida a pequenos grupos porque todos somos convidados a fazer uma experiência de vida cristã pessoal e comunitária.
Por fim, o P.e Francisco deixou três desafios:
1. É necessário que a comunidade paroquial assuma a tarefa da renovação e revitalização de si mesma;
2. Pode acontecer que seja necessária uma ação conjunta com outras paróquias;
3. As paróquias precisam de ser pontos de referência privilegiados para os que se aproximam da Igreja de Cristo e querem ser e viver como cristãos.