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VI Domingo do Tempo Comum – Ano A

Breve comentário

O texto evangélico deste domingo continua a leitura do sermão da montanha. Depois da cena inicial com as Bem Aventuranças e das características do discípulo, (sal da terra e luz do mundo), Jesus declara a sua posição em relação àquilo que era o elemento fundamental da religião hebraica: a Lei de Moisés.

A primeira parte do texto (vv. 17-20) apresenta alguns aspectos que merecem a nossa atenção e que, no fundo, são a chave de leitura para o que se segue. No início fala-se de «Lei ou profetas», mas depois restringe-se o discurso à «Lei» e aos «preceitos mínimos» e, finalmente, requer-se uma «justiça» superior à dos representantes do judaísmo para entrar no «reino dos céus».

A fórmula «Lei ou (e) Profetas», que ocorre quatro vezes no evangelho de Mateus, começa por exprimir o conjunto da revelação bíblica no seu valor normativo e profético. Mas parece que Mateus apresenta a dimensão profética o critério para interpretar a Lei (Pentateuco) do Antigo Testamento. Nesta perspectiva se deve entender a afirmação final «dar cumprimento». Na missão histórica de Jesus, nas suas palavras e gestos, está a plena revelação e realização da Lei nas suas intenções proféticas.

O iota (i) é a mais pequena letra do alfabeto grego; o ápice é um sinal gráfico pequeníssimo. A ideia é que nada da Lei é eliminado. Por outras palavras, a Lei, tal como a profecia bíblica, cumpre-se agora em Jesus, intérprete e promulgador definitivo da vontade de Deus. Por isso, a sua reinterpretação autorizada dos mandamentos não tem o objectivo de abolir ou revogar nada da Lei, mas manifestar e realizar plenamente as suas intenções originais e profundas.

Tendo isto em conta, segue-se a recomendação aos cristãos e aos mestres responsáveis em particular, não dum mero cumprimento mecânico e exterior da lei e dos preceitos, mas dum empenho e uma fidelidade e coerência total à vontade de Deus como é reproposta e interpretada por Jesus.

É nesta perspectiva que se deve entender o confronto entre a «justiça» dos escribas e fariseus e a «justiça» dos discípulos. Esta nova «justiça» está na linha do «cumprimento» profético da lei em Jesus e da sua íntegra e coerente actuação por parte dos discípulos. Mais do que uma execução perfeita, exterior, exige-se a conformidade com a vontade profunda de Deus, ao nível do interior e do coração.

A segunda parte do texto (vv. 18-37) mostra quatro exemplos concretos desta nova maneira de entender a Lei: homicídio, adultério, divórcio e juramentos.

Colocando a Lei no interior do coração, o mandamento «não matarás!» adquire uma dimensão mais profunda. O outro não é apenas «outro», mas um irmão. Os três casos que são comparados ao homicídio, ira e palavras injuriosas, representam um novo modo de entender e praticar o mandamento antigo e, por isso, merecem castigo severo. A relação com o irmão tem uma tal seriedade que decide o próprio destino definitivo diante de Deus.

Esta interpretação religiosa é confirmada pelas duas parábolas da reconciliação. A primeira coloca em relação o dever da reconciliação com o culto. Como pano de fundo, está a frase de Oseias citada duas vezes ao longo do Evangelho (9,13; 12,7): «Eu quero misericórdia e não sacrifício». A misericórdia vale mais que o sacrifício, isto é, o culto como relação com Deus não pode prescindir da justa relação com os homens.

A segunda parábola exprime de modo eficaz a necessidade de entendimento e de reconciliação no seio da comunidade que, não acontecendo, leva necessariamente à condenação irreversível, aqui expressa pela palavra Geena, o vale de Hinnôm a sul de Jerusalém, cuja recordação está ligada ao uso abominável dos sacrifícios de crianças ao deus Molok e, por isso, transformada em lixeira. Ser lançado na Geena é ser considerado lixo, excluído do Povo de Deus.

Em relação à segunda lei (vv. 27-30): «Não cometerás adultério» (Ex 20,14; Dt 5,18), a proposta evangélica inspira-se no último mandamento: «Não desejarás a mulher do teu próximo…» (Ex 20,17), mas vai além do plano jurídico para se colocar no plano das relações interpessoais profundas. No olhar do homem exprime-se o desejo de posse, transformando a outra pessoa em objecto ao serviço do seu «eu». Esta concupiscência mobiliza todo a acção a partir das intenções e decisões interiores: «no coração». As duas frases paralelas que se seguem («arranca-a… corta-a e lança-a fora») sublinham a extrema decisão que é pedida ao discípulo diante duma escolha em que está em jogo o seu destino salvífico: ele deve saber sacrificar uma parte de si, mesmo preciosa, para salvar-se.

A terceira lei (vv. 31-32) analisada é um apêndice à lei anterior. A antiga lei de Moisés que permitia a separação dos esposos, mediante a carta de repúdio, é rejeitada e condenada como adultério. Este assunto será retomado e ampliado mais adiante (cap. 19). A excepção («excepto em caso de fornicação» – porneia, em grego), que só se encontra no evangelho de Mateus, tem a ver com a situação de cristãos que vieram do paganismo, por vezes casados com consanguíneos, isto é, numa relação incestuosa que devia ser excluída (cf. Lv 18,6-18; Mt 19,3-9).

A quarta lei antiga (vv. 33-37) recomendava que se mantivesse com fidelidade os juramentos e os votos feitos a Deus (Nm 30,3; Dt 23,22; Sl 50,14), proibindo o juramento falso em nome de Deus (Lv 19,12; Ex 20,7). Porém, com o decorrer dos tempos, tornou-se uma prática habitual entre os judeus o uso do juramento e da imprecação para fundamentar qualquer afirmação. Mas, para não usar directamente o nome de Deus, usavam símbolos (céu, terra, Jerusalém, templo, a própria cabeça). A proposta evangélica exclui qualquer forma de juramento na sua dupla valência religiosa e social. Sob o ponto de vista religioso, o juramento é um abuso da autoridade de Deus, invocado para cobrir a deficiência de veracidade das palavras e dos compromissos humanos. A grande recomendação feita por Jesus é em relação à verdade das palavras e dos comportamentos: «Sim, sim; não, não».

P. Franclim Pacheco

Diocese de Aveiro

 


 

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