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VEDE COMO ERA SEU AMIGO… Carta Pastoral de D. António Moiteiro

VEDE COMO ERA SEU AMIGO…

Acompanhar as famílias no luto

 

Este tempo árduo de pandemia Covid-19, com números crescentes de mortes e em que se luta pelo controlo de infeção, pode implicar que os membros da família e a própria comunidade não tenham a oportunidade de acompanhar os seus familiares/amigos nas últimas horas e dias de vida, ou mesmo de se despedirem dos que partem. Este afastamento, que a todos continua a tocar, tem sido muito doloroso, impessoal e traumático na vida das famílias. Alteraram-se os rituais com que nos despedimos dos mortos, e isto deixa ainda mais fragilizados os que já estão numa situação de debilidade. A necessidade de evitar o contacto físico e as interações de uns com os outros intensificam os sentimentos de tristeza e de solidão. Amigos e familiares que poderiam oferecer apoio, estando também isolados, ficam limitados para aquilo que podem proporcionar – o que se traduz em sofrimento e angústia para as famílias.

Face a esta dura realidade, há situações e emoções com as quais as famílias enlutadas têm de lidar. É verdade que a morte passou a fazer parte das redes sociais, nesta sociedade conectada; tornou-se mais simples partilhar a comunicação e as condolências, mas não se criou uma cultura online mais sensível diante da morte e do luto. O cristão deve agir com amor, sinceridade, equilíbrio e fé.

Perder alguém que se ama traz sempre muita dor e sofrimento a qualquer pessoa. Isso não é diferente para o cristão. A diferença é que o crente em Jesus Cristo tem a esperança que esse não é o fim de tudo… A morte do corpo é somente o começo da vida eterna.

Ajudar as famílias a viver o luto envolve um olhar amplo sobre a realidade que vivemos, mas também se inspira no Evangelho, como possibilidade de delinear ações que elevem o ser humano e a sua dignidade perante as perdas. O Evangelho revela-nos a atitude de Jesus Cristo diante da doença e da morte: aproxima-se, compadece-se, chora, toca, anima e dá vida. Basta recordar os seus gestos e as suas palavras quando se encontra com o filho único da viúva de Naim (Lc 7,11-17), com a filha de Jairo (Lc 8,49-56) e com o seu amigo Lázaro (Jo 11,1-44). Jesus livra estas pessoas da morte, mostrando que a sua palavra suscita vida.

Jesus não se limitou a dizer algumas palavras de consolação; Ele encheu-se de compaixão, agiu e até chorou! Perante a morte de Lázaro, ao ver chorar Maria e os que a acompanhavam, Jesus “comoveu-se muito e ficou perturbado” (v. 33). Já tinha acontecido na ressurreição do filho da viúva de Naim (Lc 7,11-15), perante a dor da mãe viúva no funeral do seu filho único, dizendo-lhe: «Não chores!». Mas aqui, «Jesus chorou» (v. 35). Mostra a sua humanidade, que não é insensível à dor alheia. No momento da morte de Lázaro Jesus mostra-nos a sua dor interior, o estado emocional de um homem curvado à tristeza e ao sofrimento perante a morte de um amigo. Hoje, diante de muitas pessoas que sofrem as consequências desta pandemia, perguntemo-nos: sou capaz de chorar?

Em face do sofrimento humano a que assistimos perto de nós, ou acompanhamos nas páginas dos jornais e no ecrã da televisão, somos interpelados pelos mesmos sentimentos, palavras e gestos de Jesus. É certo que cada um vivencia o luto de acordo com a sua personalidade, com as suas perceções, resiliência, e de acordo com os laços que se estabeleciam com a pessoa que partiu, mas a comunidade cristã, precisamente por ser comunidade, deve estar presente e acompanhar estes momentos e passos decisivos da vida dos seus membros, manifestando comunhão e solidariedade. É Deus que oferece aos homens a vida e a esperança. No entanto, Ele age no mundo através de pessoas que distribuem a vida nova de Deus, com palavras e com gestos. A viúva de Naim não chorava a morte do filho sozinha; uma grande multidão da cidade compartilhava a sua dor.

Consolar os aflitos é uma obra de misericórdia recomendada pela Sagrada Escritura: «Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram» (Rm 12,15). Acompanhar as famílias enlutadas requer proximidade e gestos concretos. Com frequência, corre-se o risco de se concentrar toda a solidariedade humana no dia do funeral e depois, quando o vazio se torna doloroso, essa solidariedade desaparece. “Quase sem nos darmos conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem” (EG 54). Os vizinhos ou os que estão mais próximos afetivamente são desafiados a serem bons samaritanos, a compadecer-se e a cuidar, lutando assim contra a globalização da indiferença. Como é gratificante saber que há tantas pessoas que, conscientes dos riscos que correm, estão disponíveis para servir e cuidar dos outros!

Quando as famílias são confrontadas com a notícia da morte de um filho, marido, esposa, mãe, pai, um grande e intimo amigo, a dor deve ser iluminada com a esperança que só a fé e a oração pode dar. Urge refletir e atualizar o modo como acompanhamos as famílias enlutadas nas nossas comunidades. É necessário estar atento àquilo que possa ajudar a conviver com a perda de uma pessoa querida: consolar a quem está em situação debilitada, para que possa restabelecer o equilíbrio e elaborar o processo de luto. A assistência espiritual do sacerdote, ou de um grupo constituído na paróquia, pode servir de grande conforto e ajudar a superar a dor.

O gesto de Jesus que ressuscita Lázaro mostra até onde pode chegar a força da graça de Deus, e até onde pode chegar a nossa conversão. A Palavra de Deus garante-nos que não estamos perdidos e abandonados à nossa miséria e finitude. Deus caminha ao nosso lado, tirando vida da morte, dando-nos a coragem de “sair do sepulcro” e avançar ao encontro da vida plena. Os sofrimentos e os problemas são para ser vividos em comunhão com a Cruz de Cristo e, abraçados a Ele, podem-se suportar os momentos mais dolorosos.

Apesar da dor e da saudade causadas pela separação dos que partiram, para o cristão, a dor da morte é iluminada pela esperança na ressurreição, porque Jesus ressuscitou. «Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá» (Jo, 11,25) – diz o Senhor.

Deus conhece a dor e o sofrimento que a separação nos causa. Peçamos-lhe uma fé cada vez mais forte, para que, renovando a nossa vida, nos animemos com uma confiança firme no seu amor, na sua providência que não nos abandona. Choremos, mas não tenhamos medo! Vivamos este caminho com o olhar sempre fixo em Jesus e na sua morte. Consolemo-nos uns aos outros, conscientes de que o Senhor venceu a morte de uma vez para sempre.

Peço aos sacerdotes que, na celebração diária da Eucaristia, ofereçam o sacrifício de Jesus por aqueles que partiram nesse dia/semana e estejam próximos dos seus familiares e amigos. A oração torna mais sensível o nosso coração à dor dos irmãos e é sufrágio pelos que partiram para os braços do Pai, rico em misericórdia.

A todas as famílias enlutadas e que choram a morte dos seus entes queridos, o meu afeto, na certeza das minhas orações, para que o Senhor da Vida os ressuscite para a vida eterna. Ao filho da viúva de Naim, “Jesus entregou-o à sua mãe”, e assim fará o Senhor com todos os nossos familiares e connosco. Junto ao sepulcro de Lázaro os amigos daquela família souberam intuir a amizade que unia Jesus àqueles três irmãos: «vede como era seu amigo» (V. 36). Não fiquemos, pois, à margem deste caminho de esperança e de presença junto daqueles que perderam os seus familiares.

Invoquemos a intercessão da Virgem Maria que, junto da cruz, acompanhou os sofrimentos do seu Filho, O recebeu nos seus braços e viveu em silêncio a dor da sua morte na esperança da luz de Jesus Ressuscitado.

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Aveiro, 29 de janeiro de 2021

António Manuel Moiteiro Ramos, o vosso amigo e pastor


 

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