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SÍNODO – Síntese diocesana de Aveiro

Processo de Recolha da Informação

1. A Equipa Diocesana, a quem foi atribuída a missão de promover, coordenar e organizar a consulta no âmbito do Sínodo “Por uma Igreja Sinodal: comunhão, participação e missão” a realizar entre 2021-2023, foi nomeada pelo Sr. Bispo D. António Moiteiro a 13 de setembro de 2021; é coordenada pelo padre Licínio Cardoso, Coordenador Diocesano da Pastoral na Diocese, e quatro leigos: Sérgio Martins, Fátima Marques Filomena Sêca e Fernanda Capitão.

2. Após a Assembleia Diocesana realizada no dia 17 de outubro de 2021, com a participação e envio dos delegados paroquiais (2 por paróquia), a quem foi entregue o símbolo do Sínodo, realizaram-se localmente nove assembleias arciprestais para explicar o processo sinodal, de que forma iria decorrer a consulta, apresentação dos materiais e tentações a evitar.

3. Foram disponibilizados três guiões: o oficial, com as dez questões; um outro com as mesmas dez questões simplificadas na linguagem; um guião com apenas seis perguntas. Este mesmo guião serviu de base à criação de um inquérito online. Cada membro da equipa acompanhou especificamente um ou dois arciprestados, através de contacto telefónico ou email.  Esse contacto com os delegados paroquiais permitiu ouvir as suas dúvidas e dificuldades, os seus anseios, acompanhando o seu trabalho e construindo caminhos de comunhão.

4. Foi criada uma página exclusiva do Sínodo no site da Diocese para facilitar o acesso aos vários documentos de trabalho, os da secretaria geral do Sínodo e os criados pela equipa diocesana: cartazes de rua, com código QR para divulgar a consulta sinodal e permitir o acesso ao inquérito online aos mais afastados e aos não crentes; esquema de trabalho a seguir nas reuniões de grupo. Posteriormente foi disponibilizado o documento para ajudar a elaborar as sínteses paroquiais e arciprestais. Foi realizado um encontro com dois elementos da equipa diocesana e pastores da Igreja Metodista da área geográfica da Diocese, no qual se trocaram reflexões sobre o caminho que a Igreja deve percorrer na fidelidade ao mesmo e único Jesus. Os pastores metodistas apresentaram algumas respostas às perguntas sinodais. Foi realizado um encontro com vários professores universitários, no qual partilharam de viva voz as suas inquietações sobre a Igreja no tempo presente no mundo académico.

5. As sínteses paroquiais foram apresentadas em assembleia arciprestal (meses de abril e maio); nelas esteve sempre o bispo diocesano, o coordenador diocesano e outro elemento da equipa sinodal. No dia 15 de maio de 2022, em Assembleia Diocesana presidida pelo Bispo, cada arciprestado apresentou a sua síntese arciprestal, elaborada pela equipa arciprestal de pastoral, constituída pelos delegados paroquiais à consulta sinodal. Foi também apresentado o primeiro esboço da síntese diocesana. Este documento foi posteriormente discutido e assumido pelo conselho presbiteral e pelo conselho diocesano de pastoral.

6. A síntese diocesana agora apresentada foi elaborada tendo em conta: o contributo dos grupos paroquiais (que enviaram os seus trabalhos para a equipa diocesana através de email específico), as sínteses paroquiais, as sínteses arciprestais e o inquérito online (230 respostas validadas). Estiveram envolvidas cerca de cinco mil pessoas e funcionaram cerca de 300 grupos paroquiais e outros.

7. A elaboração das sínteses paroquiais e arciprestais seguiu o esquema: apresentação dos problemas e desafios, das alegrias e esperanças e propostas de renovação.

Apresentação dos resultados

8. Em continuidade com a estrutura das sínteses paroquiais e arciprestais, das quais a diocesana lhes é devedora, também aqui se segue o esquema de três momentos: identificação de problemas e desafios que se colocam à Igreja que peregrina em Aveiro no anúncio do Evangelho; convicção das alegrias e esperanças que fortalecem o nosso caminhar como é próprio do Povo de Deus, povo fiel e peregrino; esperança com que se propõem caminhos de renovação, os passos que o Espirito nos convida a dar para crescemos no nosso caminhar juntos.

1. Problemas e Desafios

9. A respostas recebidas refletem os tempos que se vivem, onde impera o individualismo e consequente perda do sentido de pertença, com pouca responsabilidade para o irmão. Isto tem reflexos na vida dos cristãos e das comunidades, pois a ditadura do tempo, ânsia do ter mais, o imediatismo e a correria da vida não deixam tempo para uma vida mais centrada nas pessoas, nas suas dificuldades. Muitas pessoas dizem “nós e a Igreja”, colocando-se de fora. A Igreja, na sua relação com o mundo e cultura atuais enfrenta grandes desafios e reclama-se um outro modo de presença, onde se acolhe e se escuta. Em resumo:

  1. A Igreja tem dificuldade em perceber e aceitar a cultura atual (do instante e do provisório). Por isso não sabe situar-se profeticamente, nem é capaz de comunicar a sua mensagem. O mundo mudou, a Igreja ainda não entendeu isso.
  2. O grande desafio é, pois, testemunhar a alegria e a vontade em viver os desafios do Evangelho num mundo que não se conhece e numa cultura que não se compreende.
  3. A Igreja é vista de fora (e também internamente, por muitos leigos comprometidos) como sendo preconceituosa, elitista, conservadora e demasiado formal. A Igreja tem dificuldade em aceitar e lidar com os que estão marcados por uma qualquer diferença (orientação sexual, recasados, uniões de facto, outros credos e confissões religiosas, ateus e agnósticos…. idosos, doentes, jovens). Estes sentem-se marginalizados e desconsiderados.
  4. A Igreja está, progressivamente, a perder relevância porque não olha com bondade para o mundo e para as pessoas. Não sabe atrair e envolver. Vive entrincheirada, voltada sobre si mesma. O acolhimento é visto como “o ficar à espera, os que não estão cá, os que não participam que venham, nós acolhemos!”

10. O modelo de Igreja que se vive e experimenta em muitas comunidades, paróquias e movimentos não favorece a participação e a missão, nomeadamente dos leigos e das religiosas. Há leigos comprometidos pastoralmente, que manifestam algum desconforto com a hierarquia. Veem a Igreja como uma entidade externa onde não têm voz e pela qual não nutrem um sentimento de pertença. Transparece uma Igreja com um rosto ainda muito clerical, sobretudo na tomada de decisões. Revelam-se ainda situações em que não é permitido aos leigos reunirem-se de modo livre e autónomo. Esta situação é causa de empobrecimento e demissão na corresponsabilidade e participação como Igreja. Neste caso, compreende-se que o desafio passará por descobrir e viver a dimensão da Igreja como Povo de Deus, um povo ao qual pertencem todos: leigos, religiosos, ministros ordenados.

11. Esta visão redutora na compreensão do que é a Igreja manifesta-se no sentido da participação e da corresponsabilidade. É disso exemplo a falta de abertura e de clareza com que se analisam e discutem os problemas e desafios pastorais; muitas vezes, isso é feito por meias palavras (há uma paz podre) para evitar o confronto. Isto gera desconfiança e afeta o espírito de comunhão e de participação. Daí a referência com que alguns também manifestam preocupação com a pouca transparência na gestão dos dinheiros e orçamentos das paróquias. Os órgãos de corresponsabilidade, quando existem, nem sempre são esse espaço de comunhão, de escuta e de discernimento.

12. Os presbíteros são identificados pelos leigos como estando sobrecarregados com tarefas administrativas, burocráticas e de gestão orçamental, sobrando pouco tempo para o acolhimento e acompanhamento espiritual dos paroquianos. Não têm tempo para os fiéis. Os leigos questionam as prioridades dos ministros ordenados na gestão do seu tempo, sobretudo os que são párocos. O tempo para escutar e discernir em conjunto, para trabalhar “com” a comunidade, é insuficiente e acaba por se reduzir a um trabalho individual do pároco “para” a comunidade. O clericalismo nasce da confusão entre autoridade com poder, sobretudo nos padres das gerações mais novas.

13. A ação pastoral da Igreja está muito circunscrita à liturgia e à catequese (mas falta a catequese com adultos). A ação dos cristãos tem pouca relevância na transformação do tecido social e cultural; o ser sal da terra e luz do mundo não é uma prioridade da maioria das comunidades. Por isso a pastoral social é a maior parte das vezes assistencialismo (eficaz); nas respostas dos grupos, são muitas poucas as referências à ação social, não é vista como prioritária e como fazendo parte do compromisso cristão; a caridade fica-se pelo assistencialismo, pois é mais difícil trabalhar as causas da pobreza; o sentido do compromisso evangélico não chega para se investir aí.

14. A ação pastoral de muitas comunidades é pouco mais que cumprir o calendário litúrgico, sem novidade, sem interpelação pessoal e sem relevância cultural e social. Faltam planos e programas pastorais paroquiais elaborados a partir da escuta do Povo de Deus que peregrina nesses lugares e em sintonia com a diocese. Em algumas comunidades o programa pastoral é apenas “a vontade do pároco”; os órgãos de decisão e corresponsabilidade nem sempre funcionam como fatores de promoção da comunhão e participação.

15. A pastoral sacramental confunde os fiéis, pois o sacramento é visto muitas vezes pelo prisma de “quem pode ou não pode”, num enfoque demasiado legalista e menos como participação da graça gratuita de Deus que a Igreja deve administrar com misericórdia e caridade. Reclamam-se critérios iguais, mas não se compreendem que as situações são diferentes, sobretudo no acolhimento pastoral e sacramental dos ‘diferenciados’. Para situações diferentes há que encontrar respostas diferentes. Prevalece um certo espírito legalista, também em muitos leigos; ainda não se entendeu que a misericórdia é o critério fundamental da ação pastoral e que os sacramentos não podem ser usados como prémio ou castigo. Reclama-se escutar mais o papa Francisco.

16. A Igreja não sabe comunicar bem, apesar de ter os meios e as oportunidades. A sua presença nas redes sociais é abundante, mas não relevante. O vocabulário eclesial não é acessível a muitos. Reclama-se uma linguagem mais próxima das pessoas, como a do papa Francisco.

17. A linguagem litúrgica é o exemplo por excelência de como é difícil a Igreja chegar às pessoas, sobretudo junto dos jovens e dos “não habituais”. A liturgia que se faz nas comunidades não atrai e não preenche, pois está demasiado ritualizada, onde as orações proferidas não brotam do coração e a linguagem é desconhecida às pessoas dos nossos dias. Também por isso muitos jovens se afastam. Reclama-se uma liturgia mais diversificada e que tenha em conta o tipo de assembleia, as situações em que se celebra. Uma única liturgia, não devidamente incarnada, não congrega, não alimenta, não ajuda a encontrar Jesus no louvor a Deus. É referido muitas vezes que as celebrações nem sempre favorecem a participação ativa, responsável e por direito próprio de todos os seus membros, sobretudo dos leigos. Reclama-se aos párocos melhores homilias, reconhecendo-se que, onde esse esforço é feito, é uma mais-valia fundamental na vida da comunidade paroquial

18. São cada vez menos os jovens envolvidos nas comunidades. Muitos jovens pertencem e integram grupos e movimentos, frequentam aulas de Educação Moral e Religiosa Católica, mas não se identificam com a Igreja. Por isso são muito poucos os que participam nas celebrações litúrgicas. A religião, dizem, deixou de ter relevância nas suas vidas. Os jovens que ainda estão integrados nas comunidades referem que raramente são escutados.

19. A catequese, de um modo geral, não inicia na vida cristã. Não estamos a saber gerar ‘novos filhos para a Igreja’. Reclama-se outra catequese ou catequese de outro modo…pois as pessoas são as que temos e não outras, idealizadas e perfeitas. O atual modelo, demasiado colado ao ritmo escolar, contribui para que a catequese seja vista como uma mera transmissão de conteúdos e não como caminho no aprofundamento da fé. A catequese, cada vez mais, é ocasião de primeiro anúncio, pois as famílias já não realizam essa missão de primeiros anunciadores da fé aos seus filhos.

20. Refere-se muitas vezes a necessidade de mais formação e mais oração. Não é claro o que se entende por formação. Nos trabalhos dos grupos há poucas referências à formação bíblica. A Palavra de Deus não ocupa lugar central na formação dos cristãos e está circunscrita à sua proclamação na liturgia. A maioria das vezes depreende-se que a falta de espiritualidade cristã é o maior desafio e o maior problema a enfrentar: identificação com Jesus, seguimento de Jesus, vivência dos valores do Reino, vida de oração, compromisso social.

21. Os espaços e os tempos de oração estão muito ligados à piedade popular e requerem purificação e renovação a partir da pedagogia de Jesus, sob pena de muitas devoções caírem em extremismos e superstições. Reclama-se espaços e tempos de oração diferentes, identificando-se o modelo da comunidade de Taizé como um caminho a considerar: centrado na Palavra de Deus, com silêncio e simplicidade.

2. Alegrias e esperanças

22. No contexto de uma sociedade cada vez menos cristã, onde muitos dizem que a Igreja é incapaz de reinventar os modos e os meios necessários à sua permanente traduzibilidade para ser significativa junto das pessoas, também se identificam alegrias e esperanças neste caminhar. É possível afirmar que a Igreja é ainda uma referência para as pessoas, mesmo não sendo tão próxima como estas precisam. Há muita e boa gente que ainda está e quer ser Igreja, apesar das dificuldades. Muitos reconhecem e afirmam que a Igreja tem feito um grande esforço para assumir e tentar corrigir os seus próprios erros do passado, como é o caso dos abusos. Por isso a Igreja continua a ser referencia pela positiva na sociedade atual, indo aonde outros não querem ir e fazendo o que muitos outros na sociedade não fazem.

23. A Igreja, ao promover a consulta sinodal, abriu novos horizontes, favorecendo o encontro, a escuta, o acolhimento e o caminhar juntos. O povo revê-se neste processo apesar de não o entender totalmente por não ser uma prática habitual. Reconhece-se que já há espaços e oportunidades de diálogo, mas reclama-se um maior investimento de pessoas e meios para o ministério da escuta e do acolhimento.

24. É possível encontrar nas comunidades e paróquias muitos leigos que trabalham ativamente, com empenho e dedicação na ação pastoral, em estreita colaboração com os párocos. São muitos os leigos envolvidos em movimentos, onde vivem, celebram e testemunham a fé. A resiliência e a entrega de muitos leigos, apesar da correria do dia a dia, são sinal de esperança para o caminho que a Igreja, Povo de Deus, tem de fazer.

25. Os padres são muito importantes na vida da Igreja, reconhece-se. Apesar da idade avançada de muitos (não há padres na reforma), eles dão o melhor de si e querem ser ajudados a olhar o seu ministério e a sua vocação em favor de todo o Povo de Deus e como membros do Povo de Deus.

26. Há celebração dominical da Eucaristia em todas as paróquias da nossa diocese. Este encontro comunitário e com Deus, mediado pela participação na Eucaristia é fator de edificação da Igreja e interpelação à missão e à participação. Reconhece-se que a Igreja chama todos à missão e convida todos à participação ativa, responsável e por direito próprio de todos os seus membros, sobretudo dos leigos. O momento da homilia é uma oportunidade única para chegar às pessoas e às suas vidas. Jesus sempre falou para pessoas concretas, com vidas concretas.

27. Há outras celebrações litúrgicas que atraem muitas pessoas (funerais, celebrações marianas…); podem e devem ser momentos para colocar Jesus no coração da vida do povo de Deus. Também estas celebrações são tempo de anúncio e de evangelização, sobretudo porque permitem uma palavra de esperança e de conforto aos “cristãos ocasionais” e até não crentes. O mesmo se pode dizer para as celebrações de batismos e casamentos.

28. Muitos reconhecem que o tempo da pandemia inaugurou outros modos de chegar às pessoas, sobretudo através das redes sociais. Esta adesão de muitas paróquias aos meios de comunicação digital, permitiu que os doentes, os idosos e até os emigrantes pudessem participar nas celebrações eucarísticas da sua comunidade. Não sendo uma alternativa à celebração comunitária da Eucaristia, é um meio a que cada comunidade ou paróquia pode recorrer para estar próximo dos seus, complementada com outras ações que tantos leigos voluntários já realizam com espírito de serviço: visita aos doentes, levar a Eucaristia aos doentes e idosos, a caridade para com os mais frágeis e os mais pobres.

29. O Magistério do papa Francisco é fator de alegria e de esperança na vida de muitas comunidades e paróquias. A maioria reconhece este dom e reclama mais e melhor conhecimento das propostas do papa Francisco e não apenas aquilo que a comunicação social mostra. Por vezes confunde-se a notícia com uma nova doutrina, mas também se diz que algum clero ignora o que diz o papa. O Povo de Deus quer conhecer melhor o pensamento do papa Francisco, que não deixa de interpelar a Igreja e cada um à conversão pessoal e comunitária e para que “sonhemos juntos o caminho”.

3. Propostas de Renovação

30. Para que o projeto do Reino de Deus na sua visibilidade eclesial incarne na cultura atual com significado e sentido para todo o Povo de Deus, é necessário iniciar processos e caminhos de renovação e de reforma nos diferentes âmbitos e mediações da ação eclesial; passa pela conversão pessoal de cada batizado para que se torne discípulo missionário de Jesus; passa pela renovação das estruturas e dos mecanismos que garantem a comunhão e a participação de todos na missão; passa pela escuta atenta do que o Espírito diz à Igreja e consequente discernimento para encontrar novos modos e meios para que o Evangelho seja comunicado e vivido com alegria. Que passos é que o Espírito nos convida a dar para crescermos no nosso “caminhar juntos”?

31. Da consulta realizada há uma ideia sempre presente: não ter medo de arriscar quando se trata de fazer opções pastorais. Querer resultados diferentes com os mesmos processos é absurdo e suicídio. Aquilo que hoje parece impossível o Espírito Santo se encarregará de confirmar no caminho da verdade. E quando há obstáculos no caminho, agir com a caridade e a paciência pastoral de Jesus. A misericórdia e a caridade devem ser critérios fundamentais em todos os processos de renovação.

32. Se a Igreja é Povo de Deus, então o que a todos diz respeito por todos deve ser refletido em ordem ao discernimento e à tomada de decisões. A sinodalidade deve fazer parte do modo de estar em Igreja nos seus diferentes âmbitos: comunidades, movimentos, paróquias, dioceses, Igreja Universal. Tomemos como exemplo o modo de ser e de estar do Papa Francisco: alegre, com sorriso fácil e linguagem simples, sem receio de falar de temas polémicos, corajoso e audaz nas propostas que faz à Igreja, procurando sempre a síntese entre a mensagem do Evangelho com a vida quotidiana do povo de Deus.

                Por uma Igreja que saiba servir

33. Acolher, escutar, integrar e acompanhar a todos os que se identificam com Jesus, sem fazer aceção de pessoas, de grupos ou movimentos e procurar ir ao encontro das suas reais necessidades, deve ser critério pastoral fundamental. Se a Igreja não está ao serviço de todos, para que serve então? Por isso ressalta da consulta sinodal o desejo e a necessidade de uma Igreja despojada, acolhedora, próxima, atenta, inclusiva, não autorreferencial, mais ao jeito de Jesus Cristo, uma Igreja com rosto e coração samaritano. Isso requer mais humildade, mais escuta, mais transparência, espírito sinodal permanente por parte dos líderes, sejam eles clérigos ou leigos, mulheres ou homens.

34. É urgente valorizar os ministérios laicais, não apenas os de leitor e acólito, mas tantos outros que representam uma função e um serviço estável e importante no seio de tantas comunidades. Tomemos como exemplo o ministério do catequista, recentemente instituído. Contar com todos e valorizar igualmente a presença e o papel das mulheres na Igreja. Em muitos grupos propõe-se o acesso de mulheres ao diaconado como caminho e que também elas possam ser admitidas ao ministério presbiteral.

35. Olhando para a realidade do clero da nossa diocese, muitos grupos propuseram que seja possível a ordenação presbiteral de homens casados e que se pense no fim do celibato como critério obrigatório para aceder ao presbiterado.

36. Uma Igreja que serve deve ir ao encontro de quem vive nas periferias, de quem vive afastado porque se afastou ou porque o afastaram. E deve querer saber porque se afastaram. Reclama-se um modelo de Igreja que sai e vai procurar as pessoas onde elas estão, nas redes sociais, nos jardins, nos cafés, lares, prisões, hospitais…E a todas deve levar a alegria que brota do Evangelho.

37. Os jovens são um grupo social cada vez mais afastado da Igreja. Não basta dizer que é preciso apostar nos jovens. É preciso ir ao seu encontro, escutá-los, compreender a sua linguagem, preocupações e fazer-lhes propostas com sentido, com simplicidade e com beleza. A pastoral juvenil é feita com jovens e para os jovens, com linguagens, meios e problemáticas das suas vidas e nas quais Jesus é uma palavra que dá esperança e ilumina o caminho. Reduzir a ação pastoral com jovens à preparação do sacramento do Crisma é caminho que não dá frutos.

                Por uma Igreja que seja sinal de comunhão

38. Em ordem a uma Igreja que seja sinal de comunhão e para fazer o caminho da renovação que a consulta sinodal manifesta, todos devem assumir que essa renovação exige conversão das pessoas e das comunidades. E a comunhão constrói-se em processo, no modo como se tomam determinadas atitudes e como se decide. A tomada de decisão sobre as opções pastorais de uma paróquia deve ser feita com as estruturas de participação e corresponsabilidade: conselho económico e conselho pastoral, escutando e refletindo os contributos de todos os seus membros e não apenas do pároco. Onde não existem estes conselhos, é urgente que se criem. Dar mais importância e voz aos conselhos pastorais é uma prioridade pastoral. Para isso tais conselhos devem ser expressão da diversidade da comunidade paroquial.

39. A implementação dos conselhos pastorais nas paróquias e o seu adequado funcionamento exige conversão aos sacerdotes e que estes não se sintam donos, nem gestores, mas dispensadores dos bens com que Deus mima o seu povo. Pede-se que os sacerdotes não se esgotem em funções de gestão de instituições sociais, mesmo quando estas são exercício da caridade cristã, mas que retiram tempo e disponibilidade para o ministério da escuta.

40. É referida muitas vezes a necessidade de haver maior unidade entre os padres e um maior trabalho em rede, não apenas como uma estratégia de rentabilização de meios, mas acima de tudo como testemunho de vida em comunhão. Por isso há também propostas no sentido de redefinir as fronteiras dos arciprestados, uma vez que há situações que geram desconforto entre os padres.

41. A comunhão presbiteral também passa pela fidelidade a critérios comuns de atuação, não apenas no respeito pelas normas, mas na atenção e na caridade com que se acompanham pessoas em situações muito diversas. Não basta aplicar a lei canónica, há que aplicar também a lei da misericórdia e da caridade.

42. Na paróquia, há que definir critérios e fazer opções pastorais com os diferentes grupos, refletidos e decididos em conselho pastoral, para combater a improvisação e o individualismo. É urgente promover efetivamente o diálogo e a articulação entre os diferentes agentes e grupos de pastoral. Só assim a pastoral será missionária e sinodal. Pensar e planificar a ação pastoral paroquial é mais do que cumprir o calendário da liturgia e das tradições e eventos paroquiais. É referido várias vezes que não há projetos pastorais paroquiais porque o programa é o que o pároco decide.

43. O processo de construção da comunhão exige participação consciente e responsável. Por isso a colocação dos párocos deve ser feita de acordo com as necessidades das comunidades; não fazer apenas uma simples substituição de um padre por outro. Os conselhos pastorais devem ser ouvidos quanto ao perfil do pároco a nomear e não ser apenas fruto de uma decisão do bispo e da disponibilidade do sacerdote. Se necessário, rever a legislação canónica para que seja assim.

44. A comunhão gera-se também na comunicação. Nem sempre a linguagem na Igreja é clara e acessível. Há excesso de linguagem dogmática que, pela sua natureza, pouco ou nada diz aos mais simples. Por isso, a mensagem que passa na comunicação social sobre a Igreja maioritariamente é pela negativa (pedofilia, corrupção). É preciso apostar mais na partilha das boas práticas que se geram e vivem na Igreja. Para tal, é necessário definir uma política de comunicação nos vários níveis ou instâncias da Igreja, seja nas comunidades, paróquias, movimentos, dioceses ou Igreja Universal. Comunicar não é apenas ter mais presença nas redes sociais. É definir bem o que se quer transmitir.

45. A Igreja tem de promoverespaços de partilha e debate em áreas críticas e discordantes das ideias da maioria e nas áreas abordadas pelo Papa (económica, política, ecológica, ética). Assim poderá ter maior intervenção política, cultural e social. É urgente incentivar os cristãos para a participação política ativa na sociedade para que o Evangelho seja luz do mundo e sal da terra.

                Por uma Igreja capaz de dar testemunho da fé

46. Há que assumir que a renovação para chegar a todos e mais longe sem perder a essência e a alegria do Evangelho, por todos tem de ser assumida. Transparece da consulta sinodal a necessidade de a Igreja dar testemunho credível da fé. Há que acreditar mais na força do Espírito Santo para formar numa espiritualidade impregnada pelo Espírito Santo, que promova o diálogo fraterno, favoreça a coerência entre fé e vida e impulsione o espírito missionário de cada batizado.

47. É necessário definir o que se entende por “formação” dos fiéis leigos em geral e dos agentes de pastoral em particular (padres e diáconos incluídos). Não se trata de “mais doutrina”, mas do catecismo de um outro modo e na perspetiva da cultura atual e a olhar o futuro. Não ter medo de apresentar a fé com uma outra linguagem. Se a Igreja tem de ser uma “influencer”, capaz de tocar e transformar a vida das pessoas, porque não fazê-lo?

48. É necessário criar e implementar projetos de catequese para todas as idades da vida. A catequese de adultos é residual e desadequada. A catequese infantil precisa de ter um estilo menos escolar, menos colada ao ano letivo escolar. A formação bíblica tem de ser uma prioridade e não apenas fruto de eventos pontuais e sem critério.

49. É fundamental o testemunho da hierarquia em que se manifeste que há disponibilidade, vontade e tempo para escutar e acompanhar o Povo de Deus. Por isso, os sacerdotes devem repensar os critérios e prioridades na ocupação do seu tempo. “É preciso recuperar o tempo para combinar vidas e tarefas, para namorar ideias e casá-las coerentemente e com os valores e princípios de Cristo”. O ministério e vida dos presbíteros, neste tempo, passa muito por ser um ministério de acompanhamento das pessoas e das suas situações.

                Por uma Igreja em que o Povo de Deus celebra a fé

50. É urgente olhar a liturgia que temos e que se faz nas comunidades. Não pode haver uma liturgia de modelo único. A grande maioria das propostas dos grupos de consulta sinodal reclama uma outra liturgia, pois a que temos é cada vez mais estética e estática. É preciso pensar a celebração para as pessoas que temos e não haver apenas a preocupação de cumprir as orientações do missal.

51. Há que preparar melhor as atuais celebrações em termos de acolhimento, canto, proclamação da palavra, símbolos, silêncio, gestos. Isto vale para a celebração da eucaristia e demais sacramentos, mas também para outras celebrações. Abundam os pedidos de celebrações mais alegres, com cânticos mais adequados às linguagens de hoje, menos leituras, mais silêncios. As homilias devem ser preparadas e pensadas de acordo com a assembleia; devem melhorar na linguagem e no conteúdo; devem fazer a ponte entre o Evangelho e temas atuais e devem promover o encontro íntimo com Deus.

52. Se, por um lado, é cada vez mais necessária a formação litúrgica dos participantes nas assembleias acerca dos vários momentos da celebração da eucaristia, também é verdade que os textos eucológicos, as orações que dirigimos a Deus são numa linguagem de outros tempos, são ricas e bonitas, mas que o povo não acompanha e gera ritualismo e afastamento.

53. Celebrar a fé não é só celebrar a eucaristia. Por isso devem-se criar esquemas de celebração alternativos, presididos pelos leigos e leigas; estas celebrações da fé devem ter uma função celebrativa e uma função pedagógica; devem permitir a participação de todos de viva voz; devem ser celebrações pensadas para pequenos grupos; também é necessário pensar celebrações para o ambiente familiar como algo normal e fundamental para a iniciação dos mais novos ao espírito da celebração cristã. Todas as celebrações devem ajudar a criar ambiente de encontro e partilha fraterna; deve passar-se de “assistir a uma celebração” para “participar numa celebração”.

54. É pedido, com insistência, um maior cuidado com a celebração dos funerais. As exéquias devem ser preparadas e adequadas à família enlutada com palavras de conforto e esperança e aproveitadas como anúncio e evangelização dos “ocasionais” que acompanham o defunto, sem cair numa evangelização “à força”, mas não desperdiçando o momento para dar razões da fé.

55. As comunidades, grupos e movimentos devem promover o gosto pela oração. A espiritualidade cristã não se reduz à vida de oração, mas alimenta-se dela. A piedade popular deve ser purificada e fortalecida para ter um rosto mais evangélico.

CONCLUSÃO

56. Tendo em conta o espaço geográfico da Diocese de Aveiro, que dista do mar à serra e é caracterizada pela diversidade sociocultural de comunidades agrárias, piscatórias e urbanas, percebemos um confluir de opiniões sobre temas centrais no âmbito da consulta sinodal sobre o futuro da Igreja.

57. A comissão diocesana faz um balanço positivo sobre a forma como decorreu a consulta sinodal na Diocese. Realçamos o número de pessoas, paróquias e grupos que, apesar do pouco tempo para organizar a consulta ao povo de Deus, dificuldade acrescida pelo condicionamento provocado pela pandemia, aceitaram colocar-se à escuta da novidade do Espírito e partilhar as suas preocupações, alegrias e apresentar propostas sobre o rumo que a Igreja deve tomar.

58. O Espírito sopra onde quer, capacita a compartilhar dons, anima a constância, o sentido de serviço e a humildade, que vencem barreiras provocadas pelas dificuldades, falhas, desânimos e fracassos da fragilidade humana. A Igreja, povo santo e pecador que peregrina em terras de Aveiro, convocada à participação e corresponsabilidade, demonstrou o quanto anseia percorrer caminhos amorosos de perdão e misericórdia; viver a alegria do Evangelho que a todos acolhe e abraça; servir a Deus e à humanidade pela promoção do bem comum e conversão por uma ecologia integral.

www.diocese-aveiro.pt/sinodo


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