Missa Crismal – homilia
Missa Crismal
1. O perfume da unção
No dia de hoje, em que todo o presbitério, juntamente com os diáconos e o povo de Deus, se reúne para celebrar a Eucaristia, são benzidos os óleos dos enfermos, dos catecúmenos e consagrado o do crisma. Através dos santos óleos, o bispo, «fundamento da unidade da sua diocese» (LG 23), está presente na Igreja à qual preside através da sucessão apostólica.
A unção que recebemos no dia da nossa ordenação é uma graça que só a podemos entender no serviço ao santo povo de Deus: «Somos ungidos para ungir. Ungimos distribuindo-nos a nós mesmos, distribuindo a nossa vocação e o nosso coração. Enquanto ungimos, somos de novo ungidos pela fé e pela afeição do nosso povo.» (Papa Francisco). A graça do Espírito Santo, própria da nossa ordenação, configura-nos com Cristo, Sacerdote, Mestre e Pastor, para que sejamos irrepreensíveis diante do altar da celebração, para anunciar o Evangelho a todos, desempenhar o ministério da Palavra e renovar o povo de Deus pelo banho da regeneração.
A nossa vocação, como todas as vocações, nasce do coração de Deus. Jesus sobe ao monte e chama os Doze, convidando-os à intimidade humana e espiritual com Ele, como grupo representativo do novo povo que veio formar, constituído por aqueles que ouvem a sua palavra e fazem a vontade de Deus. Primeiro constitui o grupo e só depois faz o chamamento individual. O chamamento de Jesus acontece num povo, a Igreja, e cada um de nós é convidado a integrar-se numa realidade que já existe e que acontece não pela vontade de cada um, mas pela vontade de Jesus que a faz (Igreja). Nas margens do mar da Galileia, Jesus tinha convidado dois pares de irmãos – Pedro, André, Tiago e João – a serem seus discípulos, indo detrás dele para aprenderem o seu estilo de vida sendo seus discípulos.
Os discípulos chamados à beira do mar da Galileia somos nós hoje. Por esta razão, queremos agradecer os 70 anos de ordenação do senhor Padre António Correia Martins (20-6-1953) e os sessenta anos dos Padres Manuel de Pinho Ferreira (15-8-1963) e José Sardo Fidalgo (29-12-1963). Para eles, pedimos o dom da saúde e a nossa presença amiga. Lembramos no altar da Eucaristia o Padre José Manuel Ribeiro Fernandes, falecido no dia 4 de fevereiro, na nossa Casa Sacerdotal, e o Padre António Graça da Cruz, falecido na semana passada, no dia 27 de março.
Vivemos um tempo de perplexidade, mas também de esperança. O flagelo dos abusos de menores e pessoas vulneráveis que tem assolado a Igreja deve levar-nos a uma purificação cada vez maior, na certeza de que somente “a verdade nos tornará livres”. A nossa Diocese de Aveiro compromete-se a tudo fazer para que estas situações dolorosas não voltem a acontecer no seio da comunidade cristã e reafirma, mais uma vez, “tolerância zero” para os abusos de menores e pessoas vulneráveis. Não é mais possível vivermos com este drama que afeta toda a sociedade e, de um modo particular, pessoas que deviam ser porto seguro para quem nos confia os seus filhos. A Comissão Diocesana para a Proteção de Menores e Pessoas Vulneráveis irá desenvolver iniciativas de formação com sacerdotes, catequistas e responsáveis das Instituições de Solidariedade Social da área da Diocese, em ordem a aprofundar a sensibilização de todos para a relevância deste tema, de modo a prevenir possíveis abusos. Peço a vossa colaboração e participação ativa nesta causa que é fundamental para a credibilidade do Evangelho.
A atenção às vítimas é fundamental na vida da Igreja e, concretamente, na nossa Diocese. Tudo faremos para as ajudar a minorar o sofrimento causado pelos abusos dentro da Igreja. O pedido de perdão não terá sentido se não for acompanhado com iniciativas em ordem à prevenção dos abusos e não encobrimento dos abusadores.
2. A caminhada sinodal e o nosso presbitério
A caminhada sinodal feita na nossa Diocese, e na qual participou um número muito significativo de pessoas, cerca de 300 grupos e cinco mil pessoas, faz um diagnóstico da nossa vida de padres e apresenta canais de renovação.
Os padres são muito importantes na vida da Igreja, e apesar da idade avançada de alguns, eles dão o melhor de si e querem ser ajudados a olhar o seu ministério e a sua vocação em favor de todo o Povo de Deus e como membros desse mesmo povo. A nossa vida interpela os cristãos e, por isso, os presbíteros são identificados pelos leigos como não tendo tempo para escutar e discernir em conjunto com os fiéis, para trabalhar “com” a comunidade, acabando por reduzir a sua vida a um trabalho individual do pároco “para” a comunidade. Pede-se, igualmente, a implementação dos conselhos pastorais nas paróquias e o seu adequado funcionamento, a fim de que sejamos os dispensadores dos dons com que Deus mima o seu povo.
Caros sacerdotes, muitos são os desafios que nos são propostos no tempo que vivemos. Sublinho dois: a pastoral juvenil e a formação cristã do santo povo de Deus. Os símbolos da JMJ, que peregrinaram na nossa Diocese ao longo do mês de março, foram uma bênção e uma graça para as nossas comunidades cristãs: crianças, jovens, adultos e terceira idade. A participação foi intensa e isto deve encher-nos de alegria. Temos de ir ao encontro dos jovens, tal como afirmam as conclusões da caminhada sinodal, escutá-los, compreender a sua linguagem e fazer-lhes propostas com sentido, com simplicidade e com beleza. Esta experiência vivemo-la todos na peregrinação diocesana. A pastoral juvenil é feita com jovens e para os jovens, embora os adultos que se empenharam na peregrinação dos símbolos sejam a certeza de que a fé diz respeito a todos e todos somos anunciadores do Evangelho.
A formação cristã é a prioridade das prioridades na nossa pastoral. «Há que assumir que a renovação para chegar a todos e mais longe, sem perder a essência e a alegria do Evangelho, por todos tem de ser assumida. Transparece da consulta sinodal a necessidade de a Igreja dar testemunho credível da fé. Há que acreditar mais na força do Espírito Santo para formar numa espiritualidade impregnada pelo Espírito de Deus, que promova o diálogo fraterno, favoreça a coerência entre a fé e a vida e impulsione o espírito missionário de cada batizado». A prioridade da evangelização traz consigo a exigência da formação cristã adaptada aos dias de hoje. Sem formação dos nossos cristãos, não há comunidades evangelizadas e evangelizadoras.
3. O Ano Jubilar da nossa Catedral
A catedral de Aveiro, outrora Igreja do Mosteiro de Nossa Senhora da Misericórdia, ou de São Domingos, celebra, este ano, os 600 anos do início da sua construção e desde o ano passado comemoramos os 550 anos da chegada da Princesa Santa Joana à vila de Aveiro e da sua entrada no Mosteiro de Jesus. Aproveitando estas efemérides, vamos celebrar,entre 12 de maio de 2023 e 13 de maio de 2024, um Ano Jubilar, concedido pelo Papa Francisco, sob o lema: “Igreja de Aveiro peregrina na esperança”.
Ao vivermos o Ano Jubilar da nossa Catedral, urge perceber quem somos, para onde queremos caminhar, e do que falamos quando nos referimos à catedral como Igreja-Mãe. A credibilidade da Igreja passa pela estrada do amor misericordioso e compassivo; pratiquemos gestos de misericórdia para com todos os que necessitam de ser acolhidos e ajudados nas suas fragilidades, sobretudo os mais pobres.
Toda a Diocese está convidada a participar no Ano Jubilar. Queremos ver reunida uma Igreja/ Diocese que anuncia, celebra e vive a sua fé. Importa que, a partir da escuta da Palavra e da ação, nos preparemos e consciencializemos da sua importância, para que brilhe em nós um novo rosto de Igreja. Convido os sacerdotes, diáconos e consagrados, juntamente com os representantes de todas as paróquias, para a celebração eucarística do dia 13 de maio, às 10:30h, dia em que celebramos os 600 anos do lançamento da primeira pedra desta igreja, que é hoje a nossa catedral.
Guiados pelo Espírito Santo, queremos ser pedras vivas com as quais Cristo edifica esta Igreja da qual fazemos parte. Que Nossa Senhora da Glória nos assista com a sua bênção, para percorrermos os caminhos que nos levam aos irmãos.
Aveiro, 6 abril 2023.
† António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro