Homilia no funeral do P. Georgino Rocha
Meditamos no funeral do Senhor P. Georgino Rocha um texto dos Atos dos Apóstolos que marcou a sua vida de sacerdote e pastoralista e também o entusiasmo de evangelizador na nossa diocese de Aveiro.
Esta é uma das páginas mais bonitas da vida da Igreja primitiva. As questões relacionadas com a tradição dos judeus, que alguns queriam impor aos gentios, são colocadas sobre a mesa naquela reunião de Jerusalém conhecida como o primeiro concilio.
Há três intervenções principais: a de Pedro, a de Barnabé e Paulo e a de Tiago. A comunidade presente está calada (15, 12) e só intervém na decisão final (15, 22). Pedro apoia-se no caso de Cornélio, que já tinha acontecido 13 ou 14 anos antes. Se Deus não fez distinções entre judeus e pagãos, por que queremos nós exigir mais? (Act 7, 53; Jo 7, 19; Rm 2, 17-24). A esta argumentação, que pode parecer negativa, acrescenta positivamente: “É pela graça do Senhor Jesus que acreditamos que seremos salvos, exatamente como eles” (15, 11).
Paulo e Barnabé contam casos semelhantes ao de Cornélio.
Tiago, embora seja um judeu observante escrupuloso da Lei, concorda com Pedro e prova o seu raciocínio com o testemunho dos profetas. São os profetas que afirmam que devem dar culto a Deus, mesmo os não judeus.
A conclusão do Concílio é esta: não se devem importunar os pagãos convertidos a Deus. A Lei não é vínculo de salvação e os apóstolos estão conscientes da assistência de Deus nas decisões: “O Espírito Santo e nós próprios resolvemos…” (15, 28). É o Espírito Santo que dirige a Igreja na sua expansão missionária. Parece claro a todos que não deve impor-se aos gentios mais do que aquilo que é justo para uma vida cristã autêntica
O nosso Padre Georgino na sua ação pastoral experimentou muitas vezes estes problemas e ajudou-nos a fazer o discernimento pastoral baseado na ação do Espírito Santo, a fim de podermos dizer “O Espírito Santo e nós próprios resolvemos” (v. 28).
O Evangelho (Jo 15, 9-18) fala-nos de três palavras-chave na nossa vida de discípulos de Jesus: amor, amizade e fruto. A união de Jesus aos discípulos tem de se traduzir numa união entre eles. O amor que Ele mostrou é o modelo e a força que torna possível o amor dos discípulos. Esse amor mútuo é ao mesmo tempo garantia do fruto que têm de obter, que será manifestação da glória do Pai. Este amor leva-os à verdadeira alegria e à verdadeira liberdade: não são servos porque fizeram uma opção livre.
Um sinal de amizade é a confiança, a confidência. Jesus mostrou-se totalmente sincero para eles, sem lhes ocultar nada: “Tudo o que ouvi de meu Pai, eu vo-lo transmiti”.
A comunidade de discípulos, que tem de enfrentar o mundo, está perfeitamente definida pela sua união a Cristo, como os ramos à videira, e entrelaçados no amor.
Foi assim que o Senhor P. Georgino tentou viver a sua vida de sacerdote. Na sua declaração de intenções que confiou ao Reitor do seminário de Aveiro, no dia da Ascensão do Senhor de 2021, escreveu:
“Amo a vida e desejo vivê-la o melhor possível; todavia, não quero que me seja prolongada nem abreviada por meios extraordinários. Se vier a encontrar-me em situação crítica, peço a ajuda das equipas médicas e o conforto da caridade cristã para assumir conscientemente esta minha situação.
À misericórdia de Deus confio o meu futuro. De Nossa Senhora, implora a sua bênção de Mãe, dos meus familiares defuntos a sua intercessão valiosa e dos vivos a sua piedosa oração.
Reconheço a dignidade do meu corpo em todos os seus órgãos. Porém, se, após a minha morte clínica comprovada, algum destes órgãos estiver em condições de ser a aplicado a alguém necessitado, cedo-o de boa vontade e deixo à decisão ao bispo de Aveiro ou a quem o representar e à equipa médica que me assistir na fase terminal”
O Padre Georgino natural de Calvão, onde nasceu a 8 de fevereiro de 1941, foi ordenado presbítero na Sé de Aveiro em 1964, por D. Manuel de Almeida Trindade. Inicia a vida pastoral na paróquia de Ílhavo e é diretor do Secretariado diocesano de Pastoral de 1973 a 1999. É doutorado em Teologia – especialidade de Teologia Prática – pela Universidade Pontifícia de Salamanca, em 1990 e posteriormente fez outras especializações na área da gerontologia e Doutrina Social da Igreja. Tirou o mestrado em Doutrina Social da Igreja no Instituto Leon XIII, em Madrid, 2006.
Lecionou na Universidade Católica Portuguesa e em vários Institutos Superiores de Ensino Teológico. Foi Vigário Pastoral e Pró-Vigário Geral da Diocese de Aveiro, exercendo várias funções sobretudo na área da cultura e dos direitos humanos. Dirige a revista “Igreja Aveirense” desde 2004.
O Padre Georgino deixa-nos vastas publicações de caráter pastoral e teológico que devem continuar a falar hoje a cada um de nós dos nossos planos de pastoral e no entusiasmo por uma cultura teológica adaptada aos tempos que são os nossos. Realço apenas a publicação “Ação Pastoral da Diocese de Aveiro: 1962/63 a 1987/88” (três volumes), em 1991.
Damos graças a Deus por este sacerdote do nosso presbitério. Pedimos-lhe que junto de Deus interceda por nós, pelas causas a que dedicou a sua vida e façamos nossas as palavras do Evangelho que podem ser a sua mensagem para nós que ainda continuamos à procura do rosto misericordioso de Deus: “Disse-vos estas coias, para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja completa” (Jo 15, 11).
Amen.
Aveiro e Calvão, 11 de abril de 2023
+ António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro