Solenidade de Santa Joana Princesa – Homilia

1. Um tesouro a descobrir
No Evangelho, Jesus conta duas pequenas parábolas para nos falar do Reino de Deus. Nas duas, o protagonista encontra-se com um “tesouro” muito valioso ou com uma pérola de valor inestimável. Ambos reagem da mesma maneira: vendem tudo o que têm para adquirir o almejado tesouro ou a pérola. Aos nossos olhos, isto é o mais sensato e razoável. Mas é preciso uma adequada disposição interior para compreender a mensagem.
A descoberta do reino de Deus muda a vida de quem o descobre, porque encontrou o bem precioso, o próprio Jesus, Aquele que pode transformar a sua vida. Isto provoca a alegria de quem o encontra, a ponto de “vender tudo o que possui e compra o campo” onde se encontra o tesouro. Se nós cristãos não descobrimos o projeto de Jesus, não haverá alegria na Igreja nem alegria plena em cada um de nós.
Procurar a Deus, encontrar-se com Ele, exige esforço da nossa parte e renunciar a tudo o que impede esse encontro, sabendo que é sempre um dom que Deus nos oferece; pelo que devemos acolhê-lo com simplicidade de coração. No Diálogo das Carmelitas, de George Bernanos, a madre prioresa afirma: «Uma vez saídos da infância, deve sofrer-se muito para a ela regressar, tal como só depois duma longa noite volta a aparecer de novo a aurora. Voltei a ser novamente criança?». Daqui intuímos que procurar a Deus não produz tristeza ou amargura; pelo contrário, gera novidade, alegria, paz… porque a pessoa, ainda que tenha que passar por provações, começa a descobrir onde está a verdadeira felicidade. A este propósito, Santo Agostinho afirma: «Só o que faz bom o ser humano o pode tornar feliz».
2. A Princesa Joana em Aveiro
Com as parábolas do tesouro escondido no campo e da pérola de grande valor, Jesus queria semear no coração dos seus ouvintes uma interpelação que podemos considerar decisiva: Não haverá na vida de cada um de nós um segredo que ainda não descobrimos? Remetendo-nos à vida de Santa Joana, a nossa Padroeira, a descoberta deste tesouro e desta pérola não foram o segredo da sua vida no Mosteiro de Jesus?
Celebramos este ano os 550 anos da sua chegada a esta bela cidade e diocese de Aveiro. No Memorial da Infanta Santa Joana lê-se: «Aos trinta dias do mês de julho chegou a senhora infanta dona Joana nossa senhora a esta vila de Aveiro com el-rei dom Afonso seu pai e o príncipe dom João seu único irmão e com sua tia a senhora dona Filipa, filha do infante dom Pedro, irmã da rainha sua (fol. 66 r b) mãe, e sua cuvilheira e sua ama com três filhas suas colaças da dita senhora infanta.
Aos quatro dias do mês de agosto do ano do Senhor de mil quatrocentos e setenta e dois, entrou a dita senhora princesa a senhora infanta dona Joana nossa senhora neste mosteiro de Jesus Nosso Senhor, entrando com ela dentro el-rei seu pai e o príncipe seu irmão e a senhora dona Filipa sua tia e a monja dona Mícia de Alvarenga, que a dita senhora trouxera com licença da sua abadessa do mosteiro de Odivelas. Estavam já prestes para receber a dita senhora infanta a madre prioresa Brites Leitoa e a madre Maria (fol. 66 v a) de Ataíde e outras madres das mais antigas, com muita devoção e lágrimas de alegria e gozo divino misturado com temor de Deus por verem uma tão grande e não costumada obra sua não vista nem ouvida nos nossos tempos. As outras religiosas todas com grande prazer estavam no coro em devotas orações recolhidas dando muitos louvores ao Senhor Deus».
Não era fácil para os contemporâneos de Santa Joana acreditar em Jesus, assim como o não é na atualidade. Questionemo-nos: É possível seguir Jesus ou é uma loucura? Vale a pena comprometer-se no projeto de Jesus, ou é mais cómodo deixar passar a vida sem se fazer a si mesmo estas perguntas, ou mesmo deixar passar o tempo sem tomar nenhuma decisão? A vida de Santa Joana apresenta-se nos como modelo no seguimento de Jesus, no encontro com Deus, numa vida de oração, de ascese e de serviço, sobretudo aos mais necessitados.
3. O nosso compromisso cristão
Tal como Santa Joana, também nós temos a garantia que Jesus, vivo e ressuscitado, caminha ao nosso lado. Neste caminho, Jesus precede-nos. O apelo segue-me! continua a ressoar no coração de muitos cristãos. Ele é o companheiro de viagem que encontra formas de vir ao nosso encontro – mesmo se nem sempre somos capazes de o reconhecer e de encher o nosso coração de esperança.
A Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração: como Cristo, atrai tudo para si com a força do seu amor. Cada pessoa é responsável pelo mundo que quer construir e viver. Procuremos pensar o aqui e o agora da Igreja, na fidelidade ao Evangelho, criando à nossa volta uma atmosfera de sentido de pertença e confiança recíproca, capazes de envolver outros numa experiência de fé viva e testemunhada. Jesus permanece numa comunhão fiel e amorosa com o Pai e deseja permanecer nessa mesma comunhão com a humanidade «Eu estou no Pai e o Pai está em Mim» (Jo 14,10). O desejo de ‘caminhar juntos’, e de juntos nos colocarmos à escuta do Espírito Santo, nas atuais interpelações dos sinais dos tempos, tornou-se nos nossos dias uma convocação a redescobrir o seguimento de Jesus Cristo através do discipulado missionário.
Dos 38 anos de vida de Santa Joana Princesa, dezoito passou-os entre nós, e onde quis ficar connosco através da sepultura dos seus restos mortais. Neste aniversário da sua vinda para Aveiro, peçamos-lhe a fortaleza cristã para concretizarmos em nós as condições requeridas para anunciarmos a boa nova do Reino: o conhecimento do amor de Deus, o acolhimento da palavra de Jesus, o desprendimento e o serviço em prol do bem pessoal e comunitário. Jesus ressuscitado não nos abandona, Ele caminha connosco na viagem da nossa vida, tal como caminhou com Santa Joana.
Amen.
Aveiro, 12 de maio de 2022
† António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro