Jubileu das Instituições de Solidariedade Social
«Nunca afastes de algum pobre o teu olhar» (Tb 4, 7)
Jesus, no capítulo 25 do Evangelho de S. Mateus, apresenta três parábolas sobre o tema da vigilância, que não mostram uma angústia perante o futuro, mas insistem na responsabilidade para enfrentar o momento presente: parábola das virgens néscias e prudentes (mt 25, 1-13; parábola dos talentos (Mt 25, 14-30) que escutámos no Evangelho e o Juízo Final, ou as obras de misericórdia.
A parábola dos talentos fala-nos, com insistência, da atitude da vigilância. O trabalho intenso que deseja fazer frutificar os dons recebidos não nos deve afastar da atitude da vigilância. Pelo contrário, é essa a maneira de velar segundo a vontade do Pai.
O dom recebido que temos de fazer produzir está expresso em termos materiais: o talento equivale a mais de 34 Kg. Embora se trate de um talento de prata e não de ouro, é uma soma muito importante. O tesouro que Deus colocou nas nossas mãos é a capacidade de trabalho. O nosso trabalho material, a nossa atividade na vida, mantêm
vigilante o espírito que espera o Senhor. A vigilância converte-se, assim, num esforço, para que a nossa vida resulte frutuosa. O final da parábola abre-nos o caminho para o tema seguinte, as obras de misericórdia.
Em toda a sua vida, Jesus identificou-se com aquelas pessoas cuja dignidade estava, por vezes, diminuída ou fragilizada. Ter misericórdia é a configuração por excelência do rosto dos seguidores e seguidoras de Jesus. Abrir o coração à misericórdia é viver “as obras de misericórdia”, fazer a experiência do encontro, da ‘peregrinação’ pelas variadas periferias existenciais. A fé cristã supõe a atenção ao outro. Quem se torna um discípulo de Jesus deve ser um agente da misericórdia de Deus para com as pessoas, os pobres e os pecadores.
A pregação de Jesus apresenta-nos as obras de misericórdia, para podermos perceber se vivemos ou não como seus discípulos. Redescubramos as obras de misericórdia corporal: dar de comer aos famintos, dar de beber aos sedentos, vestir os nus, acolher os peregrinos, dar assistência aos enfermos, visitar os presos, enterrar os mortos. E não esqueçamos as obras de misericórdia espiritual: aconselhar os indecisos, ensinar os ignorantes, admoestar os pecadores, consolar os aflitos, perdoar as ofensas, suportar com paciência as pessoas molestas, rezar a Deus pelos vivos e defuntos» (MV nº 15).
A Igreja é “a casa e a escola da comunhão” que se edifica em torno da Eucaristia, sacramento da comunhão eclesial onde, participando realmente do corpo do Senhor, somos elevados à comunhão com Ele e entre nós. O pão partido e repartido que celebramos em cada Eucaristia é também compromisso pessoal de cada um de nós em sermos testemunhas da Sua morte e ressurreição.
A simplicidade de vida, que o Evangelho nos propõe, nasce do amor aos outros e traz algumas exigências à nossa vida de discípulos de Jesus. Temos de tomar consciência de que a relação do homem com os bens materiais não é de domínio, mas sim de simples administração (cf. Lc 16,2), e não podemos chamar nosso àquilo que pertence a todos, tal como se afirma no Sermão da Montanha: «O que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles» (Mt 7,12). Jesus foi o rosto visível do Deus invisível e aquele que melhor cultivou um estilo de vida simples e partilhada. A seu exemplo, recordemos que “a felicidade está mais em dar do que em receber” (At 20,35).
O ano jubilar que estamos a viver e que esta peregrinação é exemplo disso mesmo, é um tempo para pormos em prática valores sociais e religiosos, louvarmos a Deus, celebrando com alegria os seus gestos salvadores, reconhecendo que tudo recebemos das suas mãos e que nós não passamos de administradores dos seus bens.
A comunhão eclesial é comunhão de vida, de caridade e de verdade e, enquanto ligação do homem com Deus, cria uma nova relação entre os próprios seres humanos e manifesta a natureza sacramental da Igreja. Para que a comunhão não seja algo abstrato é necessário que se estimule a comunicação, a relação interpessoal e de grupo, o trabalho em equipa, a colaboração…, evitando tudo aquilo que leve à dispersão, ao isolamento, à divisão.
O Papa Francisco, na Mensagem para este Dia Mundial do Pobre, afirma: «Hoje damos graças ao Senhor porque há tantos homens e mulheres que vivem a dedicação aos pobres e excluídos e a partilha com eles; pessoas de todas as idades e condições sociais que praticam a hospitalidade e se empenham junto daqueles que se encontram em situações de marginalização e sofrimento. Não são super-homens, mas «vizinhos de casa» que encontramos cada dia e que, no silêncio, se fazem pobres com os pobres. Não se limitam a dar qualquer coisa: escutam, dialogam, procuram compreender a situação e as suas causas, para dar conselhos adequados e indicações justas. Estão atentos tanto à necessidade material como à espiritual, ou seja, à promoção integral da pessoa. O Reino de Deus torna-se presente e visível neste serviço generoso e gratuito; é realmente como a semente que caiu na boa terra da vida destas pessoas, e dá fruto (cf. Lc 8, 4-15). A gratidão a tantos voluntários deve fazer-se oração para que o seu testemunho possa ser fecundo».
Na Carta Pastoral para o Ano Jubilar diz-se que a «credibilidade da Igreja passa pela estrada do amor misericordioso e compassivo; pratiquemos gestos de misericórdia para com todos os que necessitam de ser acolhidos e ajudados nas suas fragilidades, sobretudo os mais pobres. Uma palavra especial merecem os imigrantes, que em grande número procuram as nossas terras para viver. A sua inserção e as suas convicções religiosas são outro desafio ao qual devemos estar atentos».
Que Nossa Senhora da Assunção, titular da nossa Catedral, e a Princesa Santa Joana, nossa padroeira, nos ajudem a viver e a dar frutos de santidade neste Jubileu.
Senhor Jesus, Bom Pastor,
nós te agradecemos a Igreja que somos,
com as suas luzes, as suas sombras,
e o desejo de fidelidade ao Evangelho.
Ensina-nos a ver os sinais da tua presença.
Ajuda-nos a viver o amor e a comunhão, marcas da tua Igreja.
Faz-nos sentir a necessidade de edificar a Igreja pela oração,
pela colaboração e pela partilha de bens,
para construir a nossa Igreja de Aveiro sobre rocha firme.
Acendei no nosso coração um zelo ardente que nos entusiasme a anunciar a Boa Nova a todos.
Amen.
Aveiro, 19 de novembro de 2023.
+ António Manuel Moiteiro Ramos, bispo de Aveiro